Brilho nos olhos
- Naldo Luiz Dalmazo
- 21 de jan.
- 2 min de leitura
Naldo Luiz Dalmazo

Quando músculos, cérebro, inteligência, trabalho e coração convergem, os olhos
revelam a confiança com um brilho que é impossível não ver
O agricultor estava sonhando, testa franzida, matutando e fazendo contas. O vizinho tinha aparecido, a conversa andou de lado até que o verdadeiro motivo apareceu de repente na conversa.
Ofereceu a terra. E ele ali, de calça arremangada, botinas empoeiradas, pensou “será que dou conta”? Ambos sabiam que não haveria decisão naquela hora. Razões foram expostas e ouvidas. Ele nem prestava atenção, só pensava em como pagar, qual proposta fazer. Sabia que naquela hora não haveriam detalhes.
Outras rodadas viriam. Este era o jeito que trabalhavam e se conheciam por anos e anos de vizinhança. Todos sabem o valor da terra em cada região e a conta foi feita: hectares vezes o valor. E sempre é caro, muito caro. Caminhando depois da despedida, do “interessa sim, vou pensar”, sabia que ao entrar em casa ia olhar pra patroa e dizer de chofre: tu nem sabe o que me aconteceu.
· Não faço ideia, me conte, o vizinho apareceu, e aí?
· Aí que me ofereceu a terra.
· O que? A terra toda, e quanto?
· Não sei, mas calculo.
E já não era um, eram dois a sonhar, a pensar, a matutar, como fazer, como pagar.
Quando seus olhos se encontraram, cada um viu brilho no olhar do outro e era tudo o que precisavam para ir em frente. Não tinham estudo como se diz no campo, mas sabiam que quando há brilho no olhar há uma força vital, uma energia, uma certeza.
Ele via este brilho nas pessoas com fé, no amor de mãe expresso aos filhos, nas crianças com sua sede de saber, nos olhos do time de entrar em campo e vencer. E de tanto ver, aprendeu que quando os olhos dela tinham aquele brilho, ou vinha um novo filho ou havia uma certeza, que mesmo depois de 20 anos trazia de volta aquela juventude e o sorriso que o fez cair de amores e ter convicção de que aquela gringa ia ser a parceira de sua vida.
Nem era a mais bela, mas aquele humor, aquele jeito sapeca misturado com trator que não tem medo de serviço o fisgaram. Ela seria companheira, ia pegar junto, iam dar o couro, e mais uma vez iam, sim, pagar esta terra. E então já mudou o pensar. Pensou que o que mais queria deixar pros meninos não era a terra, casa, negócio, mas brilho no olhar. Se passar a todos esta certeza, este entusiasmo, esta vontade, terá cumprido o papel de pai.
Nada de criar gente chorona ou reclamona. Precisa ensinar a ver o lado bom, a ter confiança e crer que vai dar certo. E trabalhar e aprender. E com brilho no olhar, imaginar a frente, a etapa vencida. A nova terra já é uma certeza. Tudo está convergindo: músculos, cérebro, inteligência, trabalho e coração. Os olhos denunciam a confiança, com um brilho que é impossível não ver.
(Crônica publicada no Jornal BRF Rural – Edição de Fevereiro/2014)
Kommentare