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Cachorro sem dinheiro

Atualizado: 18 de out. de 2024

Naldo Luiz Dalmazo
Um cachorro cusco brasino,  de coleira, pitoco e boca negra

Meu pai perguntava em todos os lugares se alguém tinha visto um cusco brasino,

de coleira, pitoco e boca negra


Em nossa casa na campanha sempre tivemos bons cachorros. Bons de guarda, bons de serviço e bons de caça, como precisavam ser os cachorros de quem morava no campo anos atrás.

 

Um deles se chamava Bita embora fosse um belo macho brasino, pitoco, de boca negra. Meu pai cortava o rabo de todos os nossos cachorros logo que nasciam e o Bita também andava sacudindo aquele pitoco, faceiro como só ele. Bita gostava de caçar bichos de água e tinha um faro como nunca vi outro igual. Adorava nadar e tenho tantas histórias de caça com o Bita que encheria este espaço (e que hoje, sei, não deveriam ter acontecido).

 

Lá por 1969, nossa família mudou para Dom Pedrito para plantar arroz e lá foi o Bita com a mudança. Cachorro do interior, quando muda é uma coisa muito triste. Ele desce do caminhão fica perdido, não reconhece o local e fica em desespero. Quer voltar, fica ganindo, dói no coração. O Bita acoava e tentava, desesperado, pular de volta pra cima do caminhão. Meu pai, precavido, atou o Bita e o manteve assim por dias esperando que ele se aquerenciasse.

 

Um dia pela manhã vimos que ele tinha rebentado a corda e sumido. Nunca mais o vimos. Ficamos desolados. Meu pai perguntava em todos os lugares se alguém tinha visto um cusco brasino, de coleira, pitoco, boca negra e nada. Na saída de Dom Pedrito para a nossa lavoura tinha uma ponte pedagiada. Quebrou-se a ponte e algum particular fez uma ponte de madeira e cobrava pedágio de quem passasse.

 

Ali se juntavam candidatos a peão de lavoura, de fazenda. Paravam as camionetes pra pagar o pedágio e o pessoal perguntava: Tá precisando de gente? E ali mesmo vi muitos saltarem pra cima de nossa velha picape. Um dia, mais uma vez, meu pai perguntou pro cobrador de pedágio se ele não tinha visto um cusco brasino, de coleira, pitoco, boca negra e um destes homens que tenteavam um serviço na ponte falou:

 

- Eu vi um cachorro assim, disse e continuou. Eu estava aqui neste lado da ponte e fiquei olhando aquele cusco de bom porte, bom pelo. Vi que não era um cusco qualquer. Ele chegou na boca da ponte, farejou, andou e voltou. Não atravessou a ponte. Ele contornou o barranco e atravessou o rio a nado e eu me admirei de ver um cachorro assim nadador que atravessou o rio e entrou na cidade.

 

Tivemos certeza de que era o Bita, nadador que era. Um dia eu estava numa roda contando outras das muitas histórias de caça do Bita e, por fim, contei esta história e um gaiato comentou:

- Vai ver ele estava sem dinheiro pra pagar o pedágio!

 

(Crônica publicada no Jornal BRF Rural – Edição de Agosto de 2012)

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