top of page

Lechiguana

Naldo Luiz Dalmazo

Abelha nativa da pampa gaúcha, a Lechiguana faz o ninho em macegas e arbustos

baixos, onde produz um mel delicioso


Melar uma lechiguana é uma expressão gaúcha para falar de uma situação em que se passa muito frio. Se alguém te disser: “Tchê, melei uma lechiguana”, fique certo  de que o informante passou muito frio. A lechiguana é um tipo de abelha nativa da pampa, que faz o ninho em macegas e arbustos bem baixos e é muito fácil de melar.

 

Eu aprendi a melar lechiguana com meu pai. Como proteção ele usava o pano de bater feijão com manguá. É um pano grande que se põe no chão e coloca-se o feijão colhido em cima. E então se bate com o manguá para os grãos saírem das vagens secas. Lembram-se da música dos Serranos? “Feijão preto debulhado a bordoada de manguá”. É, eu já debulhei feijão a bordoada de manguá.

 

O pai ensinava a “balancear o corpo” no ritmo da batida do manguá no monte de feijão seco. Mas o causo é com as lechiguanas e a bordoada de manguá fica pra próxima. Meu pai me disse: vem comigo melar esta lechiguana e tu vai aprender. Ele e eu entramos embaixo daquele pano velho empoeirado, ficamos agachados e no aproximamos da lechiguana a favor do vento. Quando, de rastros, se chegou a um metro da lechiguana ele começou a bater naquele vespeiro com uma varinha.

 

Bastou uns 40, 50 segundos e o enxame simplesmente levantou voo e abandonou

o ninho. Meu pai se levantou e falou: pronto, está melada a lechiguana. Quebrou

as hastes da macega onde o ninho estava preso, pegou aquela bola cinzenta e voltamos. Em casa ele abriu o ninho e foi tirando os favos com mel. Ele me dava um pedaço do favo brilhando de mel e comia outro pedaço.

 

Os pedaços de favo com mel a gente mete direto na boca e somos então invadidos por aquele sabor de infância que não tem igual. Não é à toa que os poetas comparam gosto de mel de lechiguana ao beijo mais doce da mulher amada. Quando o mel foi todo pra goela, cospe-se o favo, agora sem sabor, ali no pátio. Mel de lechiguana come-se no campo, no pátio das casas e tudo volta para a natureza sem a intermediação de caminhões de lixo de lixeira, nada. Galinhas, “cuscos”, formigas fazem a reciclagem perfeita.

 

Ano passado eu andava pelo campo e vi uma linda lechiguana. Logo pensei

em melar, mas a última vez que melei para que meus filhos conhecessem e

comessem mel de lechiguana foi um fracasso. Eles olhavam aqueles favos

cinza e só conseguiam dizer: que nojento! No retorno para casa falei para

meu compadre que tinha encontrado uma lechiguana no campo e ele quis

conhecer. Pegamos os cavalos e voltamos ao campo e ele andava curioso.

 

Quando cheguei perto e mostrei o vespeiro ele não entendeu nada; “onde está”? repetia. Ali, apontava eu, mostrando o óbvio. Ele olhou e disse: mas é uma vespa. Sim respondi, o que tu esperavas? Ah, pensei que fosse um tipo de lagarto. Dei uma risada. Eu falava em lechiguana e ele pensava em iguana.

 

Mais um gaúcho de cidade.

 

(Crônica publicada no Jornal BRF Rural – Edição: Dezembro/2014)

Comentarios


bottom of page