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Piazada no serviço

Naldo Luiz Dalmazo

Filho de agricultor tem que treinar. Empreendedorismo se aprende cedo:

é de pequenino que se torce o pepino


Lembro bem do tempo que podia acompanhar meu pai no trabalho. Ele foi  plantador de arroz na fronteira gaúcha e irrigação de arroz se faz descalço e com pá. São grandes áreas e o trabalho consiste em distribuir a água por cada curva de nível naqueles campos, de modo que toda a lavoura fique com a mesma altura da lâmina d’água. É trabalho duro, feito no forte do verão e a gente aprende a manejar a pá para o serviço ficar mais leve. Eu ficava acompanhando e trabalhando com o pai por horas.

 

Ele sempre foi um homem silencioso, não havia diálogos, nem  elogios e eu ficava imaginando o que ele estaria pensando. Porque olhava tanto o movimento da água, porque ia e voltava tantas vezes, acompanhando a inundação e providenciando novas curvas de nível que precisavam ser feitas com a força dos braços? Ele, às vezes, olhava a várzea e dizia: a água vai fazer a volta e “cair” lá naquele rincãozinho, está vendo? Eu não via nada. Ele estava visualizando uma curva de nível imaginária e antecipando os movimentos da água de irrigação que só entendi anos depois.

 

Eu suava a camisa, cansava as pernas, queimava o pescoço, mas feliz como

nunca, ia aprendendo a amar aquela vida e admirar sua habilidade. O sonho de fazer o que ele fazia veio deste tempo e destas experiências. Eu adorava aquelas oportunidades de trabalhar, de mostrar que era como ele, que gostava da lida. Acredito que este é o desafio dos pais hoje. Como ensinar os filhos a ter responsabilidade, a amar a fazenda e a criação. E como fazer isto se os filhos

não estiverem no aviário, nos suínos, na lavoura, no gado?

 

Não falo de crianças por horas e horas virando cama, turnos inteiros todos os dias, lavando bebedouros aos 10 anos de idade. Nada disto. Mas acompanhar os pais, começar a fazer, experimentar, receber responsabilidades, errar e acertar, ver o resultado do trabalho, ver os animais se desenvolvendo é a semente do empreendedorismo. Lembro-me de quão jovem tive minhas primeiras experiências com trator. Que orgulho ter aprendido a lavrar a terra. De saber fazer.

 

Alienar os filhos da atividade econômica é o mesmo que criar filhos que nunca arrumam suas camas, que não lavam sua louça, que não ajudam a retirar a mesa.

E mais tarde querer que eles, de uma hora para outra tenham responsabilidade,

que estudem para o vestibular como nunca estudaram, que procurem emprego,

que tenham responsabilidade de tocar uma fazenda sem nunca terem cumprido

normas, suado a camisa, sem ter aprendido a fazer, fazendo.

 

Não defendo trabalho infantil. Defendo que as crianças precisam viver os negócios de seus pais. Que os vivam, experimentem desde cedo acompanhando os pais. Os pais devem chamá-los, colocar em contato com o negócio, pegar da mão, dar responsabilidade e ensinar. A gente não acha estranho um Robinho, um Ronaldinho ou o Neimar aos 17 anos brilhando e fazendo gol. Mas desde os 8, 9 anos estão lá horas e horas treinando e recebendo bronca de treinador e cumprindo horário.

 

Agricultor também tem que treinar, e desde cedo se vai herdar a propriedade da família. Imagine pegar um cara com 18 anos e começar a dar treinamento para boleiro. Vai dar certo? Difícil crer. Empreendedorismo se aprende desde cedo. Como dizia minha mãe: é de pequenino que se torce o pepino.

 

(Crônica publicada no Jornal BRF Rural – Edição de Junho/2014)

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